Elpídio da Cruz
Silva
A IASD, ao defender o
dogma das duas naturezas simultâneas de Cristo, defende na realidade, um
ensino genuinamente católico e não acrescenta nesta defesa que faz,
nenhum elemento de originalidade. Simplesmente repete o que o
catolicismo tem ensinado nos últimos 1800 anos na história do
Cristianismo.
Apesar de estar
historicamente definido que o referido dogma foi proposto pela Igreja
Católica, a IASD, defende o mesmo dogma como se ele fizesse parte do
ensino bíblico e no livro A trindade, o dogma das duas naturezas
de Cristo é mostrado como sendo parte de uma suposta "evolução" do
espírito de Profecia em direção à idéia trinitariana de Deus.
Para refletir sobre
este assunto, vou apresentar as idéias centrais do dogma que, foram
propostas pelo Papa São Leão I, papa de Roma, em carta ao bispo Flaviano
de Constantinopla no concílio de Calcedônia em 451.
"No concílio de
Calcedônia (451) estabeleceu-se definitivamente a doutrina cristológica.
Na primeira sessão leu-se a carta de Leão I, papa de Roma, ao bispo
Flaviano de Constantinopla, na qual estabelecia que apesar das duas
naturezas e substâncias na única pessoa de Cristo, não se verifica
nenhuma mistura das duas naturezas, mas que cada uma atua em relação
àquilo que lhe é próprio. Calcedônia fixou um símbolo que declara: 'Nós
ensinamos e professamos um único e idêntico Filho, Nosso Senhor Jesus
Cristo, completo quanto à divindade e completo quanto à humanidade em
duas naturezas, inconfusas e intransmutadas (contra os monofisistas),
inseparadas e indivisas (contra os nestorianos), já que a união das
naturezas não suprimiu suas diferenças, mas que cada natureza conservou
suas propriedades e uniu-se com a outra numa única pessoa e numa única
hipóstase." DUÉ, Andrea. Atlas Histórico do Cristianismo. Petrópolis:
Vozes, 1999. p. 51
"A verdadeira
doutrina fora magistralmente exposta, dois anos antes, pelo papa São
Leão, numa carta que se tornaria célebre, dirigida ao Patriarca Flaviano.
Referia-se aos seguintes pontos que continuam sendo o resumo da fé
católica: 1) Em Jesus Cristo, há uma só pessoa, a pessoa do verbo
encarnado em nossa natureza; 2) Nesta pessoa única do verbo, após a
encarnação, há duas naturezas, a natureza divina e a humana, sem mistura
e sem fusão possíveis; 3) Cada uma das naturezas mantém atividade
própria, atividade que exerce em comunhão com a outra; 4) Em virtude da
união substancial das duas naturezas, devemos atribuir só ao Verbo o
que, em Cristo, pertence ao Filho de Deus e ao Filho do Homem."
"Ensinamos
unanimemente que há um só e mesmo Filho, Nosso Senhor, perfeito em sua
divindade e perfeito em sua humanidade, verdadeiro Deus e verdadeiro
homem, composto de alma racional e de corpo, consubstancial ao Pai,
segundo a divindade e consubstancial a nós segundo a humanidade,
semelhante a nós em tudo, exceto o pecado." CRISTIANI, Monsenhor. Breve
História das Heresias. São Paulo: Livraria Editora Flamboyant, 1962. p.
40, 41.
Nos dois textos que
são apresentados, percebe-se claramente as premissas da doutrina da duas
naturezas de Cristo.
1- A existência de
uma única pessoa, a pessoa do Logos, do Verbo, Jesus Cristo.
2- A existência de
duas naturezas, (dois corpos) uma divina e uma humana.
3- A separação
completa entre as duas naturezas. A inexistência de união ou fusão entre
uma natureza e outra. Cada natureza mantém seus atributos peculiares e
não interfere e não recebe interferência da outra.
4- A natureza divina
preserva sua essência ou seja, os atributos incomunicáveis da divindade.
5- A natureza humana
é semelhante a que Adão possuía antes da queda. "...segundo a
humanidade, semelhante a nós em tudo, exceto o pecado."
O que determinou o
surgimento desta doutrina? Duas correntes diferentes de pensamento em
que uma negava a humanidade e a outra negava a divindade de Jesus
Cristo, e que pode ser resumida na seguinte proposição: "Se era Deus,
não poderia sofrer, se sofreu, não era Deus."
Para resolver o
problema que a proposição exposta acima sugere, foi então criada a
doutrina das duas naturezas simultâneas de Cristo.
Devemos porém estar
cientes que a referida doutrina foi formulada já na metade do 4º século
depois de Cristo e neste momento a teologia cristã já está contaminada
pela crença na imortabilidade da alma, que confessadamente e pelo
próprio catolicismo, é uma herança do paganismo greco-romano.
E é pela crença na
imortalidade da alma que foi possível a construção da doutrina das duas
naturezas simultâneas de Cristo.
A doutrina da
imortalidade da alma permitiu a construção de uma "teologia
conciliadora" pela nascente Igreja Católica Apostólica Romana,
teologia esta que, ao mesmo tempo, respondia aos que negavam a divindade
e aos que negavam a humanidade de Cristo.
"De antemão podemos
avançar o seguinte dado que parece ser inquestionável: Não pertence ao
querigma fundamental do Novo Testamento o tema da imortalidade da alma.
O Novo Testamento conhece e professa sua fé na ressurreição dos mortos.
A filosofia grega, nomeadamente o platonismo, sob cuja influência esteve
a jovem igreja missionária no mundo helênico, conhece a imortalidade da
alma. Mas não conhece nem pode imaginar uma ressurreição. A reflexão na
teologia cristã conciliando os aut-aut com um et-et formulou a seguinte
proposição: a alma é imortal. Depois da morte do justo, separada do
corpo, ela é julgada por Deus e goza de sua presença até o fim do mundo
quando será novamente re-unida ao corpo agora ressuscitado para com ele
gozar eternamente da comunhão com Deus. A doutrina da imortalidade da
alma dos gregos foi completada com a outra bíblica da ressurreição dos
mortos. Com isso se afirma:
a- a morte não é
total: atinge apenas o corpo do homem;
b- a ressurreição
também não é total: atinge tão somente o corpo..." BOFF, Leonardo. A
Ressurreição de Cristo, A Nossa Ressurreição na Morte. Petrópolis:
Vozes, 1986. págs. 66, 67.
Os pais da doutrina
das duas naturezas simultâneas de Cristo confessam que ela só foi
possível graças à herança herética dos gregos: a crença na imortalidade
da alma.
Quando um adventista,
que crê na mortalidade da alma, aceita que na cruz, houve apenas a morte
da carne do Filho de Deus, ele simplesmente coloca um pé no espiritismo.
Os teólogos da
Andrews quando sugerem uma "evolução" do Dom Profético em direção ao
trinitarianismo em decorrência da presença das expressões "natureza
divina" e "natureza humana" nos escritos da Sra. White, não percebem ou
não querem perceber, que a profetisa da igreja remanescente, nunca
coloca a união do divino e humano em Jesus, como alguma coisa que
pudesse ser desfeita em algum momento.
Em Cristo, o divino e
o humano se fundiram de forma irreversível, sendo impossível morrer uma
parte e outra não.
A encarnação ocorreu
dentro de uma lógica que é claramente apresentada tanto pela Bíblia
quanto pelo espírito de Profecia: a lógica do auto-aniquilamento,
auto-despojamento, auto-esvaziamento dos atributos da divindade.
"Quando Jesus fora
despertado para enfrentar a tempestade estava em perfeita paz...Contudo
não era na posse da força onipotente que Ele descansava...Esse poder
depusera-o Ele, e diz: 'Eu nada posso de mim mesmo fazer coisa
alguma.'...O poder que impôs silêncio à tempestade, foi o poder de
Deus." O Desejado de Todas as Nações, pág. 319.
Os escritos do Dom
Profético nunca apresentam a idéia de um corpo espiritual escondido
debaixo de um corpo carnal. O que ele, o Dom Profético, chama de
natureza divina de Cristo é a origem divina de Nosso Senhor e nunca um
corpo espiritual independente do corpo humano de Cristo que possa deste
ser separado e não sofrer a morte plena que o Filho de Deus sofreu na
cruz.
Para o espírito de
Profecia, a pessoa divina de Cristo, cuja origem é perdida no tempo,
fundiu-se com a humanidade por herança genética através da pessoa de
Maria e agora como homem em toda sua plenitude, morre na cruz do
calvário.
O que a pessoa de
Cristo traz de divino da eternidade, é apenas Seu caráter irrepreensível
e não seus atributos incomunicáveis de Filho de Deus.
"A Divindade não se
tornou humana, e o humano não foi deificado pela fusão das duas
naturezas." Mensagens Escolhidas, vol. III, pág. 131.
Para a Igreja
Católica não houve fusão, para o espírito de Profecia, a fusão é uma
necessidade e necessidade que é satisfeita mediante o auto-aniquilamento
de Nosso Senhor.
Quando Cristo se
funde com a humanidade, Ele o faz sem os atributos incomunicáveis da
divindade e por isso, a humanidade não pôde ser deificada e portanto
continuou sendo mortal. A Divindade não se tornou humana e isto
significa que Cristo não adquiriu o caráter corrupto do homem pecador
mesmo carregando um corpo manchado por 4.000 anos de pecado, justamente
porque seu caráter não foi construído aqui na terra, mas teve sua origem
no céu antes de todas as coisas. O corpo de Cristo conheceu os efeitos
do pecado, a mente de Cristo conheceu os efeitos do pecado, porém o
caráter de Cristo jamais sofreu efeito algum do pecado.
É profundamente
significativo que tanto a Bíblia como o espírito de Profecia abominem a
idéia de um Cristo com duas naturezas simultâneas e independentes. Isto
foi assim colocado para os escolhidos não correrem o risco de serem
enganados.
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